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Maria Arlete Duarte de Araújo

O desmonte dos instrumentos de gestão

Desestruturação é imenso retrocesso, principalmente na educação superior

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Maria Arlete Duarte de Araújo

Professora titular de administração pública da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é doutora pela Eaesp/FGV-SP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas)

A gestão pública, entendida como um conjunto de ações administrativas e políticas empreendidas pelos diversos organismos da administração pública, sofreu nos últimos anos, a partir da reforma do Estado em 1995, mudanças consideráveis em função dos instrumentos adotados e das diferentes capacidades de gestão. No governo Jair Bolsonaro (PL), estamos assistindo ao desmonte dos instrumentos de gestão em diversas áreas.

Um olhar sobre algumas políticas educacionais evidencia que essa crítica é procedente e que a deterioração dos instrumentos de gestão ocorre em um ambiente em que também se desestrutura a participação da sociedade civil em diversas instâncias (comitês, conselhos, conferências etc.) sob o pretexto de dar mais eficiência à gestão. No plano da educação superior, a debandada de cerca de 150 avaliadores de pós-graduação se apoia em um conjunto de denúncias contra a atual presidência da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que pressiona pela flexibilização de critérios e aprovação de novos programas de pós-graduação, em especial a educação a distância, sem a maturação necessária para uma oferta de qualidade nessa modalidade de ensino.

Assim, dado o tamanho, a complexidade e a dinâmica da pós-graduação, a paralisação do fluxo de avaliação, a perda de competência técnica e o aprendizado coletivo implicam prejuízos incalculáveis e, em especial, minam a confiança no sistema de avaliação. Outrossim, a tentativa de modificação dos critérios na direção do afrouxamento das atuais regras solapa igualmente o esforço que vem sendo feito pela qualidade em todo o sistema nacional de pós-graduação e abre brechas para o credenciamento de novos programas de pós-graduação, em especial na modalidade a distância, sem a qualidade mínima exigida. As Comissões de Avaliação da Capes são instrumentos de gestão, e sua expertise não se forma de um dia para o outro. Assim, essa desestruturação representa imenso retrocesso.

Ainda na educação superior, a medida provisória 1.075, de 6 de dezembro de 2021, ao permitir que o Programa Universidade para Todos (Prouni) seja acessado por estudantes não bolsistas oriundos de instituição privada, tem implicações graves para as políticas afirmativas que objetivam a inclusão dos mais pobres, indo na contramão de programas que mudaram o perfil das universidades brasileiras, como a aprovação do Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), da Lei de Cotas e de outras políticas afirmativas. Aqui, o instrumento de acesso à educação superior é claramente desvirtuado e torna-se uma nova fonte de financiamento para as instituições privadas.

Assim, pode-se afirmar que o novo que está emergindo se apoia: 1- na ampliação da lógica privada para a oferta da educação na medida em que cria novos mercados; 2 - na flexibilização de critérios de mérito acadêmicos para avaliação do sistema de pós-graduação; e 3 - na ampliação da desigualdade.

Diante desse contexto, é fácil constatar o processo de desmonte dos instrumentos disponíveis para viabilizar a gestão de diferentes políticas, que passa a ser orientada pela lógica do mercado, em que o cidadão detentor de direitos desaparece, e pela ausência de normas claras, transparentes e republicanas para regular as decisões públicas. E isso acaba reforçando a captura do Estado por interesses privados.

Movimentos que não são contraditórios, mas complementares e em sintonia com um projeto de desvalorização da ação estatal e valorização do mercado.

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