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A construção de um mundo radicalmente diferente no pós-Covid e pós-neoliberal

Por Débora Foguel

Em abril de 2020, um grupo de cerca de 170 professores de oito universidades holandesas fez um manifesto intitulado “Planejando para o Pós-Corona: Cinco propostas para construir um mundo radicalmente mais sustentável e igualitário”. Quando tomei conhecimento desse manifesto à época que foi publicado, achei fantástico o movimento desses colegas holandeses. Sim, é necessário que as instituições universitárias se posicionem sempre, em especial em momentos críticos, e sejam capazes de propor e forjar ações para um futuro melhor. Universidades são espaços do livre pensar, do experimentar, da diversidade e pluralidade. São espaços onde se formam as futuras gerações e onde se guarda uma parte considerável do patrimônio cultural de suas sociedades. Agora, pensando no ano de 2022, ano eleitoral no Brasil, me veio a memória esse manifesto e lhes conto o porquê.

No manifesto dos colegas holandeses, discute-se a necessidade de evitarmos erros do passado, quando planejarmos o futuro pós-pandêmico. Isso porque o impacto econômico causado pela Covid-19 está diretamente correlacionado ao modelo econômico que adotamos globalmente nos últimos 30 anos. Esse modelo estimula o consumo desenfreado e a circulação avassaladora de bens e pessoas, e que despreza o custo ambiental que provocou e as inequidades que gerou e que foram muitas... Olhe pela sua janela e verás muitas delas!

O que constatamos durante a pandemia foi a enorme fragilidade desse modelo que se expressou, por exemplo, quando assistimos à grandes empresas pleiteando suporte do estado devido à queda da demanda, à avalanche de empregos sendo perdidos, a uma enorme pressão recaindo sobre sistemas de saúde subfinanciados ou privatizados, às disparidades nos percentuais de diferentes populações que mais morreram pela Covid e a volta da fome. O manifesto nos relembra que vários profissionais que enfrentaram os governos em tempos recentes, seja na busca por reconhecimento ou melhores salários – como professores, profissionais da saúde, do transporte público, entregadores subempregados por empresas digitais dentre outros – são agora encarados como profissões vitais. Estiveram como heróis na linha de frente e muitos sucumbiram de forma atroz.

Será que agora, passados dois anos dessa tragédia, as relações de causa e efeito entre esse modelo econômico, as mudanças climáticas, desigualdades e outras mazelas se fazem claras? É bom lembrar que a OMS estima que o impacto das mudanças climáticas venha a causar a morte de 250.000 pessoas a mais por ano entre 2030-2050.

Não podemos nos olvidar que assistimos, durante toda essa crise, ações locais, organizadas pela comunidade de forma geral, pelas universidades e institutos de pesquisa, empresas, artistas e tantas outras gentes no sentido de mitigar os danos da pandemia. Estaríamos muito mais devastados sem elas! Todas foram ações fundamentais, porém, muitas delas temporárias e encabeçadas por indivíduos, coletivos ou instituições. Precisamos pensar em ações perenes e que venham da esfera governamental para esse mundo pós-Covid e pós-neoliberal. A urgência climática que já não bate mais à nossa porta, mas já adentrou nos nossos lares, não mais nos permite adiar certas medidas a serem tomadas por governos como mudanças em fontes energéticas, meios de transporte, modelo agropecuário e até o que vamos comer no almoço!

O grupo de signatários do manifesto propôs cinco ações urgentes para o mundo pós-Covid: 1. Desenvolvimento não focado no Produto Interno Bruto agregado, onde se faça, daqui para frente, investimentos em setores como o de energia limpa, educação, saúde, transporte etc. e um decréscimo de investimentos em setores insustentáveis como óleo e gás, mineração etc.; 2. Programas econômicos focados na redistribuição da riqueza (renda mínima, taxação progressiva, reconhecimento dos serviços públicos fundamentais como valores comuns etc.); 3. Implementação de novo modelo de agricultura, que enfatize a agricultura regenerativa; 4. Redução do consumo e viagens; 5. Cancelamento de dívidas, em especial dos trabalhadores e de donos de pequenos negócios, bem como dos países do sul global empobrecidos.

Não me parece mais o tempo de nos perguntarmos se precisamos implementar essas medidas e outras medidas não listadas nesse conjunto, mas como vamos fazer para implementá-las já, se quisermos um mundo mais sustentável, sociedades diversas e menos desiguais, e um mundo que esteja mais preparado para lidar com crises e pandemias que, esperamos, venham a deixar de existir.

E, nós, pesquisadores e professores universitários brasileiros? Será que não devemos nos re-UNIR e planejar o mundo que queremos no pós-Covid que se construa num novo arcabouço econômico? Não é hora de pensarmos, juntos, o Brasil que queremos depois da Covid e da devastação arquitetada e implementada pelo atual governo e que nos imputou uma nova dimensão catastrófica a toda essa crise sanitária?

Estamos em momento eleitoral e é hora de pensarmos para além do que temos para o almoço!  Precisamos construir, junto a outros setores da sociedade, em especial junto àqueles historicamente excluídos, um novo modelo econômico, cuja equação tenha como componente principal uma nova relação com o meio ambiente e que seja mais distributivo. Nossas instituições têm o dever de pensar e propor novos modelos para reverter essas relações de destruição, exploração movidas ao lucro. Precisamos definir juntos um conjunto de ações urgentes e adaptadas à nossa realidade e momento histórico, como fizeram nossos colegas holandeses, a serem implementadas pelo novo governo progressista que há de se instalar em Brasília no próximo ano.

Somado a toda a nossa contribuição nesses tempos inéditos de pandemia, penso que redigirmos um conjunto de ações e medidas necessárias para a reconstrução de um novo Brasil e de um novo mundo seja algo mais que necessário e que pode ficar para a história!

Universidades do Brasil, UNI-VOS!

Débora Foguel é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do SoU_Ciência