Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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É preciso agir agora para recuperar as perdas na educação com a Covid

Emenda Constitucional 108 é uma oportunidade que não pode ser negligenciada

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A educação brasileira sofre com os impactos da pandemia Covid-19, que aumentou o abandono escolar e prejudicou os recentes avanços na melhoria da aprendizagem, especialmente em municípios mais pobres. Os impactos ampliam a desigualdade na aprendizagem das crianças, principalmente devido à falta de conectividade das escolas e famílias para garantir o ensino híbrido com qualidade. Um estudo mostrou que em São Paulo os alunos aprenderam menos de um terço com a educação não presencial, comparado com o modelo presencial. Também foi estimado um aumento de 365% no risco de abandono escolar devido ao baixo acesso à educação a distância. A cooperação financeira e técnica entre os três níveis do sistema educacional do Brasil é muito importante para direcionar as políticas educacionais para a recuperação da perda de aprendizagem e promoção da eficiência dos gastos públicos.

A Emenda Constitucional (EC) nº 108/2020 que foi aprovada durante a pandemia é uma grande oportunidade para fortalecer a cooperação entre níveis de governo e responder de forma mais eficaz ao impacto da Covid-19 na educação. A reforma trazida pela EC reestruturou os mecanismos distributivos do Fundeb, que buscam equalizar o financiamento per capita entre os estados e municípios brasileiros, e criou mecanismos de transferências baseadas em resultados com o objetivo de promover a eficiência dos gastos e a melhoria da qualidade com equidade na educação básica brasileira. O mecanismo de transferência mais importante redistribuirá os recursos do principal imposto estadual sobre o consumo (ICMS) para os municípios que administram escolas de ensino fundamental. No mínimo, 10% dos recursos serão transferidos com base no aumento dos resultados de aprendizagem e de equidade, considerando o nível socioeconômico dos alunos. Por outro lado, a parcela dos recursos relacionada ao valor adicionado fiscal, que beneficia municípios mais ricos, poderá ser reduzida em até 10 pontos percentuais.

A mudança constitucional foi inspirada no caso do estado do Ceará em 2007, que condicionou a distribuição de 18% do ICMS destinado aos municípios à melhoria dos resultados da educação, principalmente a aprendizagem. Outros 7% foram condicionados à melhoria de indicadores de saúde e meio ambiente.

Alunos atravessam catraca em entrada de prédio
Candidatos entram em local para o primeira dia de prova do Enem, em São Paulo - Eduardo Anizelli - 21.nov.2021/Folhapress

Até agosto de 2022, todos os estados deverão incorporar o financiamento baseado em resultados, mas até o momento somente cinco estados (Amapá, Ceará, Pernambuco, Piauí e Sergipe) ajustaram suas leis à mudança constitucional e três estados ainda precisam elevar o percentual para o mínimo de 10% a partir de 2023 (Acre, Alagoas e Espírito Santos). Para isso, o primeiro passo é apoiar os outros 18 estados a regulamentar seus mecanismos de incentivos para induzir os municípios a buscarem soluções para enfrentar os desafios locais e concentrar esforços em ações com maior potencial para recuperar a perda de aprendizagem devido a Covid-19. Várias instituições parceiras da educação estão dando esse apoio aos estados, mas enfrentam resistências relacionadas à mudança de mentalidade e comportamento dos gestores estaduais e municipais.

A proposta dessas instituições, baseada principalmente na experiência de sucesso do Ceará, consiste em um mecanismo de incentivo que reconhece e premia os municípios que avançarem nos indicadores de aprendizagem em suas redes escolares, especialmente para alunos mais vulneráveis. As evidências da experiência do Ceará mostram que a combinação entre seu mecanismo de incentivo do ICMS e a cooperação técnica pode produzir melhorias ainda mais rápidas nos indicadores de aprendizagem. Os impactos do mecanismo de incentivo são ampliados pela estratégia de cooperação técnica e vice-versa, como foi mostrado em um estudo recente do Banco Mundial. A cooperação permite ao estado prestar assistência técnica aos municípios mais pobres e com menor capacidade, e contribui para nivelar as condições de participação na competição por recursos. A cooperação com o governo federal a partir da adesão ao programa de resposta à Covid-19 —programa Brasil na Escola, criado em março de 2021— será outra boa oportunidade para os municípios recuperarem as perdas de aprendizagem e acelerarem as melhorias na qualidade do ensino.

O segundo passo é defender esse mecanismo junto aos municípios, principalmente convencendo os municípios mais ricos, que possivelmente perderão recursos com a redução do critério de valor adicionado fiscal. Embora seja esperado um ganho para todo o estado na melhoria dos indicadores educacionais, no curto prazo os prefeitos das cidades mais impactadas terão que se adequar à diminuição de recursos e absorver a redução das receitas utilizando recursos de outras fontes. O aumento da arrecadação para a grande maioria dos municípios no Brasil, devido à retomada da atividade econômica em 2021, parece ter criado uma oportunidade única para implementar mudanças difíceis que visam beneficiar a população como um todo.

Por fim, apesar de 2022 ser um ano eleitoral, essa reforma é uma ótima oportunidade para ajudar na recuperação da perda de aprendizagem devido à pandemia, o que deveria ser uma agenda não partidária. Um atraso na implementação da reforma não somente adiará os efeitos dos programas de recuperação de aprendizagem, mas também pode levar a disputas no Supremo Tribunal Federal devido ao não cumprimento da EC. É certo que toda redistribuição de recursos produz ganhadores e perdedores. Mas o benefício de prover uma educação de qualidade para a maior parte da população, proporcionando melhores oportunidades e crescimento no futuro, deve ser o motor da atuação dos agentes públicos no presente.

Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial Marcelo Barbosa, consultor sênior em Educação, e Leandro Costa, economista sênior

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