Os pesquisadores da Unicamp Ettore Segreto e Ana Amélia Bergamini Machado durante visita ao Proto-Dune, no CERN, em 2017 (foto: acervo pessoal)

Pesquisador da Unicamp concorre ao cargo de porta-voz do megaprojeto Dune
16 de fevereiro de 2022

Conduzida por uma colaboração internacional com cerca de 1.500 participantes, a iniciativa destina-se à maior pesquisa sobre neutrinos já realizada. Os resultados podem trazer informações fundamentais sobre a formação do Universo e a estrutura do mundo material

Pesquisador da Unicamp concorre ao cargo de porta-voz do megaprojeto Dune

Conduzida por uma colaboração internacional com cerca de 1.500 participantes, a iniciativa destina-se à maior pesquisa sobre neutrinos já realizada. Os resultados podem trazer informações fundamentais sobre a formação do Universo e a estrutura do mundo material

16 de fevereiro de 2022

Os pesquisadores da Unicamp Ettore Segreto e Ana Amélia Bergamini Machado durante visita ao Proto-Dune, no CERN, em 2017 (foto: acervo pessoal)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESPEttore Segreto, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), está concorrendo ao cargo de porta-voz (spokesperson) da colaboração internacional Deep Underground Neutrino Experiment (Dune), que conduz um dos maiores e mais ambiciosos megaprogramas científicos da atualidade, voltado para a pesquisa de neutrinos.

O italiano Segreto e sua esposa, a brasileira Ana Amélia Bergamini Machado, também pesquisadora na Unicamp, foram os criadores do “Arapuca”, o dispositivo que será utilizado no sistema de fotodetecção do Dune. O Arapuca foi idealizado durante uma das viagens de quase uma hora que o casal fazia diariamente entre o Laboratori Nazionali del Gran Sasso, o maior centro de pesquisa subterrânea do mundo, situado na Cordilheira dos Apeninos, na Itália, e um vilarejo próximo, para buscar seu filho na escola.

Como o nome sugere, o Arapuca é uma espécie de armadilha para capturar a luz. Os dois pesquisadores o imaginaram como uma pequena caixa contendo um detector de silício capaz de contar fótons individuais. A caixa deveria ter uma tampa transparente pela qual a luz poderia passar com facilidade. E, emparelhado com esta, um filme que mudaria o comprimento de onda da radiação recebida. Assim, a luz entraria, mas, transformada, já não poderia escapar pela mesma abertura. E ficaria refletindo nas paredes internas espelhadas da caixa até ser absorvida e registrada pelo detector.

“Essa ideia surgiu muito espontaneamente em nossa conversa. Mais tarde, fizemos um protótipo. E Ana Amélia o chamou de ‘Arapuca’, palavra indígena guarani que significa ‘armadilha para pegar pássaros’. Foi assim que o fotodetector do Dune nasceu”, conta Segreto.

Acoplado a gigantescos tanques de argônio, mantido em estado líquido por uma refrigeração a menos 184 oC, o dispositivo registrará os chuveiros de partículas e luz que serão produzidos quando neutrinos superenergéticos arrancarem de suas órbitas elétrons dos átomos de argônio. Por meio da análise dessas cintilações, os pesquisadores do Dune esperam obter informações fundamentais sobre a formação do Universo e a estrutura do mundo material.

“O objetivo é investigar se os padrões de oscilação do neutrino e do antineutrino [partícula que se distingue do neutrino por ter spin em sentido horário ao invés de anti-horário] são ou não rigorosamente simétricos”, afirma Segreto.

A expectativa é de que não sejam. E, se não forem, o experimento fornecerá uma prova concreta de uma violação de simetria que, segundo o modelo teórico, teria ocorrido uma fração de segundo depois do Big Bang. A ideia é que essa violação de simetria produziu um pequeno excedente de matéria em relação à antimatéria. De modo que, quando matéria e antimatéria se aniquilaram mutuamente, sobrou esse “extra”, do qual resultou todo o Universo que conhecemos hoje.

“Para descobrir se neutrinos e antineutrinos mantêm ou não seus padrões de oscilação enquanto se propagam, o Dune vai medir, em dois lugares muito distantes, o mais poderoso feixe de neutrinos e antineutrinos já estudado. Esse feixe será produzido no acelerador de partículas do Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab), nos Estados Unidos. A primeira medição deverá ocorrer bem perto da fonte, no próprio Fermilab, no Estado de Illinois. E a segunda, a 1.300 quilômetros de distância, na Dakota do Sul”, informa o pesquisador.

Os objetivos, o histórico e o modo de operação do Dune foram descritos detalhadamente em reportagem anterior da Agência FAPESP (leia mais em: agencia.fapesp.br/25451).

Preparação

Para que o experimento possa ter início, conforme o cronograma aprovado, 1.500 módulos do Arapuca estão sendo montados neste momento na Unicamp. Com os componentes ópticos e mecânicos fabricados no Brasil, os sensores de silício produzidos na Itália, Espanha e República Tcheca e as partes eletrônicas desenvolvidas nos Estados Unidos, Itália, Colômbia, Peru e Paraguai, esse primeiro lote destina-se a um dos quatro tanques de 17 mil toneladas de argônio líquido que estão sendo instalados na chamada Sanford Underground Research Facility, na Dakota do Sul.

Cada módulo do primeiro lote de Arapucas tem cerca de 2 metros de comprimento por 12 centímetros de largura e 2 centímetros de altura. Um segundo lote de Arapucas, de base quadrada, mas obedecendo ao mesmo princípio de operação para a captura da luz, será destinado ao segundo tanque de argônio líquido, a ser instalado em uma sala contígua à do primeiro, a 1,6 quilômetro de profundidade.

“Enquanto isso, 40 módulos do Arapuca estão sendo colocados no Proto-Dune, sob a supervisão da Ana Amélia”, acrescenta Segreto.

O Proto-Dune é um protótipo do Dune, de dimensões muito menores, mesmo assim enormes, que está em fase final de instalação no CERN, a Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, na Suíça. Deverá entrar em operação ainda neste ano.

Ettore Segreto nasceu em Téramo, na região de Abruzos, na Itália. E fez seu mestrado e doutorado na Università degli Studi dell’Aquila. Frequentou, durante os 15 anos seguintes, o Laboratori Nazionali del Gran Sasso, primeiro como pós-doutorando e finalmente pesquisador contratado. “Eu passava os meus dias no laboratório, debaixo de 1.500 metros de rocha, na Montanha do Gran Sasso”, lembra.

Em 2015, já casado com Machado e incentivado por ela, Segreto veio para o Brasil com o auxílio da FAPESP, por meio do programa Apoio a Jovens Pesquisadores. Nomeado em 2017 líder do Sistema de Fotodetecção do Dune, Segreto, juntamente com Machado, recebeu dois anos mais tarde um importante prêmio da American Physical Society. Também Machado dispõe atualmente de um Apoio a Jovem Pesquisador da FAPESP.

Muito conscientes de sua responsabilidade como pesquisadores em um país em desenvolvimento, Segreto e Machado têm procurado atrair o maior número de cientistas latino-americanos para o Dune. E já promoveram vários encontros internacionais com esse objetivo, todos eles apoiados pela FAPESP.

Segreto concorre agora à prestigiosa posição de “co-spokesperson” do Dune. “São ao todo dois porta-vozes. Como os Estados Unidos são o principal financiador e a sede do megaprojeto, um deles é sempre norte-americano. Eu concorro à outra posição, atribuída aos demais parceiros da colaboração internacional”, explica o pesquisador à Agência FAPESP.

O processo de seleção é complexo. Em um período de mais ou menos um mês, todos os membros da colaboração podem indicar até três pessoas. Quem recebe mais do que três indicações passa à fase seguinte, que consiste em uma entrevista com o Speaker Search Committee, formado por cinco cientistas de altíssimo nível. Esse comitê escolhe dois ou três candidatos para concorrer à eleição final, na qual todos os membros votam. Para esta eleição, o Speaker Search Committee selecionou dois cientistas, coincidentemente dois italianos: Sergio Bertolucci, professor da Universidade de Bolonha e ex-diretor científico do CERN, e Segreto. A votação começou na sexta-feira (11/02) e vai se encerrar no dia 24 de fevereiro, com os resultados divulgados no dia 2 de março.
 

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