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Confusão ao divulgar notas do Enem reflete crise no Inep, dizem servidores

Ministro da Educação, Milton Ribeiro, criou relação próxima com Danilo Dupas, presidente do Inep, quando trabalharam na iniciativa privada - Luís Forte/MEC
Ministro da Educação, Milton Ribeiro, criou relação próxima com Danilo Dupas, presidente do Inep, quando trabalharam na iniciativa privada Imagem: Luís Forte/MEC

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

14/02/2022 04h00

Por volta das 18h da última quarta-feira (9), o ministro da Educação, Milton Ribeiro, anunciou nas redes sociais que a divulgação da nota do Enem 2021, prevista para dali a dois dias, seria antecipada e aconteceria apenas uma hora após sua postagem. O que o ministro chamou de "boa notícia", no entanto, decepcionou os participantes do exame, que só conseguiram acessar suas informações não às 19h, como anunciado, mas depois das 23h.

Servidores ouvidos pelo UOL afirmaram que houve demora na liberação dos dados porque a equipe do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) responsável pelo processo foi avisada às pressas da antecipação. Além disso, novatos no órgão, que não têm experiência e conhecimento sobre os procedimentos, entraram na equipe.

Procurados pela reportagem, nem o Inep, nem o MEC (Ministério da Educação) responderam aos questionamentos. O espaço fica aberto para atualizações.

Servidores entregaram cargos no fim de 2021

Para servidores, o problema enfrentado na última quarta-feira é um dos reflexos da crise no Inep, potencializada no ano passado, às vésperas do Enem 2021. No mês do exame, mais de 30 servidores entregaram seus cargos e assinaram carta coletiva citando a "fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima do Inep".

O presidente do instituto, Danilo Dupas, foi denunciado pelo grupo por assédio moral e por tomar decisões sem critério técnico. Na época, o chefe do Inep negou as acusações.

Conforme o UOL apurou, Dupas se segura no cargo por ter uma relação de confiança com Ribeiro antes de assumirem seus cargos no governo. Eles trabalharam juntos no ensino privado, quando o ministro foi vice-reitor no Mackenzie.

"Uma organização pública como o Inep leva anos para se consolidar como um instituto de credibilidade. Você não forma uma pessoa rapidamente para gerir sistemas formatizados de uma prova [como o Enem] que vai definir o futuro de milhões de jovens", explica Claudia Costin, diretora do Ceipe (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais) e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

A falta de credibilidade que tem rondado o Inep, segundo Costin, é demonstrada nos relatos de alunos feitos na última semana em relação à nota do Enem. Reportagem do UOL mostrou que um estudante viu sua pontuação da redação cair de 900, em 2020, para 460 no ano passado.

Uma outra aluna, que chegou a questionar Ribeiro em suas redes sociais, foi bloqueada pelo ministro da Educação. Com tantos relatos na internet, a UNE (União Nacional dos Estudantes) solicitou na sexta-feira (10) que o Inep revise as notas do Enem. O pedido não havia sido respondido pelo instituto.

Sinal de alerta

Para Costin, o atraso na divulgação das notas deve ser considerado um sinal de alerta para próximos problemas que podem surgir no Inep. "Temos a discussão do Enem alinhado ao Novo Ensino Médio, uma questão importante para os próximos anos", disse.

Servidores disseram também, na condição de anonimato, que o instituto ainda não realizou reuniões importantes de planejamento do Enem 2022. Há ainda em andamento uma licitação para empresa aplicadora do exame — no ano passado, o contrato com a Cesgranrio, consórcio responsável pela aplicação da prova até então, foi encerrado.

Em 2021, o Inep também decidiu não renovar contrato com a empresa de gestão de risco. Na época, o órgão informou ao UOL que o contrato não podia ser renovado, por ter chegado ao limite de 60 meses permitido pela Lei Geral de Licitações.

A empresa era responsável por monitorar diversos processos do Enem com o objetivo de analisar e avaliar qualquer possível risco. Ao longo deste ano, o instituto também precisa garantir a atualização do BNI (Banco Nacional de Itens).

Trocas em cargos

Só depois de dois meses, o Inep começou a publicar as exonerações dos servidores que deixaram seus cargos à disposição no ano passado. A entrada de novas pessoas sem experiência ou trocas internas de aliados ao presidente do instituto têm sido também motivos de preocupação.

Uma das substituições foi no cargo de coordenação-geral de logística da aplicação. Hélio Junio Rocha Morais pediu exoneração em novembro de 2021 e foi substituído no dia 1º pela policial rodoviária federal Regina Claudia Pereira da Silveira.

Silveira atuava desde 2009, segundo o Inep, no Ministério da Justiça, dentro do Departamento de Polícia Rodoviária Federal. Seu antecessor, Morais, estava envolvido no Enem havia muitos anos.

Na última semana, o instituto também passou por uma troca interna entre as chefias. O chefe de gabinete, Alvaro Luis Kohn Parisi, tornou-se diretor da área de Avaliação da Educação Superior. E o então diretor, Luís Filipe de Miranda Grochocki, assumiu a Dired (Diretoria de Estudos Educacionais).

Para servidores, as trocas internas demonstram a falta de pessoas interessadas a se vincular ao Inep e toda crise que vem acontecendo. Parisi é braço direito de Dupas e passa a ter um papel estratégico na área de ensino superior —priorizada pelo ministro da Educação.

Servidores também têm receio de que essa troca possa fragilizar a credibilidade da diretora de ensino superior com pessoas da iniciativa privada.

"O ministro quer ter controle sobre o Inep e isso fragiliza ainda mais o instituto. Enquanto tivermos pessoas sem conhecimento técnico e experiência prévia em assuntos complexos tratados pelo órgão, essa crise continuará", avalia Costin.