Novo observatório quer melhorar políticas públicas do Brasil com base na ciência

Iniciativa do Instituto Questão de Ciência apoiada pelo Instituto Serrapilheira terá investimento de R$ 1 milhão no primeiro ano

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São Paulo

No Brasil, uma das maiores dificuldades quando se discute ciência e o papel dela em áreas como saúde, agropecuária e energia é saber onde estão os dados. Como dizer se as evidências por trás de políticas públicas são as mais sólidas disponíveis? Será que lobbies de certos setores estão pesando mais do que bons estudos na hora de aplicar os recursos públicos?

Com a meta de responder essas e outras questões será lançado em março o Observatório de Políticas Científicas. Trata-se de uma iniciativa do IQC (Instituto Questão de Ciência), apoiada pelo Instituto Serrapilheira e outros parceiros.

O IQC é uma organização fundada em 2018 e que defende o protagonismo da ciência em tomadas de decisões no setor público. Já o Serrapilheira, lançado em 2017, é a primeira instituição privada do país de fomento à ciência, e também financia iniciativas de divulgação científica.

A Folha teve acesso em primeira mão aos detalhes do projeto. Para os primeiros 12 meses de atuação do novo observatório o aporte total será de R$ 1 milhão.

A microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), diz que o observatório vai trabalhar as políticas públicas relacionadas à ciência
A microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, diz que o observatório vai trabalhar as políticas públicas relacionadas à ciência - Karime Xavier - 23.out.18/Folhapress

"Informação sobre ciência sempre foi o carro-chefe do IQC, mas com a criação do observatório a gente equilibra essa atuação dando mais peso à área de políticas públicas", conta à reportagem a microbiologista Natália Pasternak, presidente da organização.

Na prática, o observatório deve produzir relatórios temáticos, recursos audiovisuais, como vídeos e podcasts, e dashboards (painéis virtuais com métricas e indicadores) sobre políticas científicas.

Já na estreia do dashboard deve haver informações sobre o investimento federal em ciência e tecnologia, ano a ano, em valores corrigidos, entre outros gráficos e scores. A expectativa é que, ao trazer uma "linguagem comum" para sociedade, comunidade científica e políticos, discussões e debates que envolvam ciência ganhem fluidez.

"O projeto nasceu de uma proposta do IQC, uma organização que reúne competências importantes, como conhecimento científico e capacidade de comunicação, uma combinação muito poderosa e difícil de encontrar", diz Natasha Felizi, diretora de divulgação científica do Serrapilheira.

"O observatório vai contribuir para muitas agendas, em diferentes temas. Vamos conhecer melhor os problemas e qualificar as discussões, torná-las mais propositivas e baseadas em evidências", completa.

No assento do piloto do novo observatório está Paulo Almeida, diretor-executivo do IQC. Ele tem formação em direito e psicologia e atuação profissional na área de gestão pública da ciência.

"No Brasil existe uma grande permeabilidade institucional a bobagens; as evidências ruins se consolidam por meio de instâncias oficiais, não por meio do debate público correto, com evidências. Veja o exemplo da fosfoetanolamina: um projeto de lei atropelou as instâncias sanitárias. Isso acontece com outras coisas —ozonioterapia, constelação familiar e outros. Falta um filtro de avaliação", diz.

Na visão de Almeida, a interação da sociedade, de cientistas e de entidades científicas com políticos sobre temas de interesse para o país frequentemente é ineficaz. "Sempre surgem notas de repúdio, mas raramente se consegue mudar o que está em andamento no Parlamento, por exemplo."

Um exemplo, lembra, é o da Lei da Biodiversidade (13.123/2015). As exigências do texto final pegaram de surpresa muitos pesquisadores e até empresas.

Um rigoroso mecanismo de controle da exploração da biodiversidade fez que muitos cientistas pudessem ser considerados traficantes, por exemplo, ao obter e catalogar novas espécies. Até mesmo representantes das indústrias química e cosmética criticaram a norma.

"Faltou relações governamentais, faltou um esquema de acompanhamento para não ser pego de surpresa", afirma Almeida.

No Brasil existe uma grande permeabilidade institucional a bobagens; as evidências ruins se consolidam por meio de instâncias oficiais, não por meio do debate público correto, com evidências. Veja o exemplo da fosfoetanolamina: um projeto de lei atropelou as instâncias sanitárias. Falta um filtro de avaliação

Paulo Almeida

Diretor-executivo do IQC

Para construir dashboards, relatórios e demais produtos, o diretor do IQC vai ter o apoio de uma dezena de profissionais dentro de uma equipe fixa, com analistas políticos, estatísticos, advogados e cientistas de dados.

Para cada tema estudado ou relatório, outros especialistas se unirão à turma, em caráter temporário. E todo o trabalho será acompanhado por um conselho de experts, ainda em formação.

O Observatório de Políticas Científicas também deve promover cursos, tanto para cientistas com a intenção de se tornarem conselheiros dentro do setor público quanto para gestores que queiram aprender como a ciência funciona, a fim de balizar as decisões de acordo com as evidências (ou a falta delas).

Haverá ainda no âmbito do observatório um glossário, uma espécie de Wikipédia da política científica com termos que são importantes para essas discussões: PPA (plano plurianual); LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), LOA (Lei Orçamentária Anual), FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), entre outros.

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