GREVE NA UNIVERSIDADE

Aluno acusa professor de usar faca em conflito na Unicamp

Docente alega que usou arma para se defender e Polícia Civil deu razão para ele

Isadora Stentzler/ [email protected]
04/10/2023 às 08:33.
Atualizado em 04/10/2023 às 08:34
Os estudantes passaram o dia protestando contra a deterioração das universidades estaduais, incluindo a escassez de instalações para a graduação e a falta de professores (Rodrigo Zanotto)

Os estudantes passaram o dia protestando contra a deterioração das universidades estaduais, incluindo a escassez de instalações para a graduação e a falta de professores (Rodrigo Zanotto)

No decorrer da manifestação dos estudantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) na manhã de terça-feira (3), o professor de Matemática, Rafael de Freitas Leão, gerou indignação ao ameaçar dois alunos com uma faca e spray de pimenta. Diante dessa ameaça, a Reitoria da universidade anunciou a adoção de "medidas cabíveis" em relação ao docente. Um Boletim de Ocorrência foi formalizado, e os objetos ameaçadores, uma faca e um spray de pimenta, ambos pertencentes ao professor Leão, foram apreendidos. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) está pleiteando a retirada imediata do professor, enquanto a Deliberação da Polícia Civil orienta os alunos a se apresentarem em juízo, indicando que o professor não teria cometido um ato ilícito.

O caso ocorreu em meio à paralisação dos estudantes, que protestavam contra a deterioração das condições nas universidades estaduais. Na Unicamp, os alunos expressavam preocupação com a escassez de instalações para a graduação, a falta de contratação de professores e funcionários, a precarização dos serviços do restaurante universitário, casos de assédio e acidentes de trabalho, além da ausência de moradia estudantil nos campi de Limeira e Piracicaba.

Os estudantes, como forma de aderir ao movimento, dirigiram-se à sala do professor Leão, solicitando a interrupção das aulas. Foi nesse momento que o docente, segundo relatos, exaltou-se e partiu para o ataque contra os alunos. Imagens e vídeos da ocorrência foram registrados e compartilhados nas redes sociais, ampliando a repercussão do caso.

VERSÕES CONFLITANTES

O conflito em questão apresenta versões divergentes entre o Boletim de Ocorrência e uma nota emitida pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE). Conforme relato do DCE, ao informarem o professor sobre a paralisação, este teria sacado uma faca, ameaçando os estudantes. Diante disso, as duas pessoas ameaçadas gritaram por socorro e conseguiram fugir. Um terceiro aluno, presente no corredor, foi agredido tanto com spray de pimenta quanto fisicamente pelo docente.

A intervenção da segurança do campus foi crucial após os pedidos de ajuda, conseguindo separar o professor da vítima e confiscar a faca, que possuía uma lâmina de cerca de 20 centímetros, conforme detalhado na nota do DCE. "Ressaltamos que uma faca desse porte, ou qualquer outro objeto cortante, não faz e nem deve ser objeto didático, por tanto, o professor portava a faca com intenções de utilizá-la em combate para ferir estudantes (...) Exigimos a exoneração imediata do agressor e sua prisão, visto que cometeu um crime que conta com testemunhas, fotos e vídeos", diz a nota.

Por outro lado, no Boletim de Ocorrência registrado no 1º Distrito Policial, Rafael Leão é listado como vítima. Segundo sua versão, ele desconhecia a greve e foi surpreendido pelos estudantes. Ele afirma que, desde 2016, carrega consigo um frasco de spray de pimenta e uma faca para autodefesa. Alega ter encontrado a instituição fechada ao chegar, tendo que estacionar nas proximidades, e só soube da paralisação ao chegar na sala de aula, quando alunos, que não eram de sua disciplina, o informaram.

O depoimento menciona que um jovem identificado como Gustavo Henrique Pedro Bispo dos Santos investiu contra ele, dizendo para não ministrar aula devido à paralisação. Alega ter sido empurrado por Gustavo, o que resultou em sua queda e lesões na cintura, levando-o a utilizar o spray de pimenta e a faca de cabo azul, instruindo o estudante a se retirar. Segundo o depoimento do professor, ele teria guardado a faca e, receando um possível linchamento por parte de outros alunos que se aproximavam, utilizou spray de pimenta em autodefesa contra o estudante João Gabriel Cruz.

No término de seu depoimento, o docente nega ter ameaçado os jovens com a faca, alegando ter apenas se defendido, exibindo o instrumento cortante. Quanto ao uso do spray de pimenta, ele afirma têlo empregado por temer um ataque iminente. De acordo com o BO, o professor apresenta lesões no lado esquerdo da cintura e pretende ingressar com ações judiciais contra os dois alunos mencionados.

A versão contrastante é apresentada pelo aluno João Gabriel da Cruz, alegando ter sido alvo do spray de pimenta disparado pelo professor. Segundo o relato, ele participava da paralisação com outros alunos quando avistou o professor Leão chegando para ministrar aulas no prédio do ciclo básico. Simultaneamente, Gustavo correu para informar o docente sobre a paralisação. João disse que não entrou no prédio naquele momento, mas Gustavo, outra aluna e o professor o fizeram.

A estudante teria gritado, alertando os alunos de que o professor sacara uma faca, enquanto Gustavo fugia. João, então, pediu aos alunos que acionassem os vigilantes do campus e se posicionou junto com outros estudantes nas saídas do prédio para evitar a fuga do professor. Ao tentar sair pela escada, Leão, segundo João, investiu contra ele usando o spray de pimenta em seu rosto e nuca. Para se proteger, João afirma que agarrou o professor, derrubando-o no chão e segurando-o até a chegada dos seguranças do campus.

Em declarações ao Correio Popular, João refuta a defesa do professor, alegando que esta tenta distorcer os fatos e carece de elementos que corroborem com sua versão. Ele destaca que Gustavo abordou o professor de maneira amistosa para integrá-lo ao movimento grevista, sendo, no entanto, repreendido pelo docente, que o segurou pelo braço e o empurrou com o ombro, ocasionando sua queda. João nega qualquer ameaça de linchamento ou similar que justificasse a reação do professor e critica a nota emitida pela reitoria, que minimiza a gravidade do docente portar uma faca e spray de pimenta em uma sala de aula.

Uma terceira versão dos eventos foi apresentada por um vigilante do prédio, que informou à polícia que recebeu a notificação de que havia uma pessoa armada no edifício do curso de Matemática. Ele correu até o local e testemunhou o professor envolvido em uma luta corporal com um aluno. Um supervisor interveio, imobilizando o professor e conduzindo-o para uma sala. Foi nesse momento que, no bolso da calça de Leão, foram encontrados o spray de pimenta e a faca. Ao tomar conhecimento de que o docente já havia usado o spray de pimenta contra os alunos, o vigilante acionou a Polícia Militar.

Estudantes da Unicamp envolvidos no conflito com o professor da Unicamp, que teria sacado uma faca e aplicado spray de pimenta contra eles, prestam depoimento na Delegacia de Polícia (Alessandro Torres)

Estudantes da Unicamp envolvidos no conflito com o professor da Unicamp, que teria sacado uma faca e aplicado spray de pimenta contra eles, prestam depoimento na Delegacia de Polícia (Alessandro Torres)

POLÍCIA CIVIL

A deliberação da Polícia Civil considerou que os alunos partiram para cima do professor na tentativa de agredi-lo e incitaram outros estudantes a fazerem o mesmo, criando um cenário potencialmente perigoso de linchamento. A polícia compreendeu que, para se proteger de uma "iminente e injusta agressão coletiva", Leão não cometeu ato ilícito, utilizando meios necessários e moderados, conforme o artigo 25 do Código Penal Brasileiro. Assim, os alunos foram enquadrados nos artigos 129 e 286 do Código Penal Brasileiro, e um Termo de Compromisso foi emitido para que eles compareçam em juízo.

Em resposta a essa decisão, o DCE anunciou que votará em assembleia para decidir se entrará com uma ação contra ela, destacando que a versão apresentada pela polícia não condiz com o ocorrido. Consideraram a possibilidade de solicitar a gravação da sala de aula como evidência de que o professor atacou os estudantes e não o contrário. João, um dos alunos envolvidos, classificou a deliberação como confusa, falsa e inconsistente, declarando sua intenção de buscar representação jurídica. Até o momento, não foi possível contatar o advogado de Leão e Gustavo.

Em resposta ao ocorrido, a Reitoria da Unicamp emitiu uma nota repudiando os atos de violência, afirmando que a conduta do docente será investigada por meio de procedimentos administrativos. A nota também apela à calma e serenidade para a resolução adequada dos conflitos e problemas.

Após o acontecido, o DCE apresentou imagens das redes sociais atribuídas ao professor Leão, nas quais ele exibia diversas facas. O perfil foi fechado, e prints das imagens foram obtidos antes do bloqueio da página. As imagens incluíam fotos de canivetes, machados, aulas de disparo de arma de fogo e uma bandeira do Brasil, fazendo alusão ao bolsonarismo com a legenda "que jamais será vermelha".

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